6 de fev. de 2013

A Filha


Duas da tarde, Ivette está sentada em um trem, a caminho de casa. Ela é alta, branquinha, o cabelo curto e repicado resolveu que não ia colaborar hoje. Tem um livro nas mãos, e o fone toca no volume máximo.
Não foi um dia fácil.
A escola  parece a mesma das outras, os mesmos professores, os mesmos alunos, as mesmas matérias. É, ela devia estar acostumada, depois de tantas cidades e escolas diferentes. Eles nunca ficam em um mesmo lugar muito tempo, culpa do trabalho da mamãe.
Nessa escola também existe uma diaba loira, que pega no seu pé, puxa seus óculos, inventa histórias e a maltrata. Bom, ela precisa disso não é? Afinal, deve ser muito difícil manter o bom humor quando se está vomitando tudo que existe no estômago. Ai ai, a música está acabando e ela termina as últimas páginas do livro. Já deve estar chegando em casa.
A casa continua mergulhada no mesmo silêncio que estava quando ela saiu de manhã, a mãe deve estar no trabalho, e o irmão, provavelmente trancado no quarto naqueles jogos que só ele entende. Ela vai bater na porta, ele não está. "Deve ter ido na casa de algum amigo"- pensa, preocupada. Percebe uma sombra se movendo entre seus pés, se abaixa e afaga Rubi, sua gata preta de cinco quilos. "Vamos comer então garota? O que acha disso?", a gata ronrona e salta pra longe.
 Liga o som na cozinha, e começa a preparar alguns bifes, um sanduíche cairia bem aquelas horas.
Ela sente a temperatura cair, e Rubi chia e se arrepia toda. Ivette congela-" Não, de novo não, não agora, não sem mamãe em casa". Ela se vira e vê a sombra, Rubi parece uma gata vinda do inferno, de tão arrepiado que está seu pelo, ela rosna e cospe no que parece ser mais um dos trabalhos de mamãe. É difícil conviver com esse dom, se é que se pode chamar isso de dom. Ver e sentir coisas malignas: espíritos, bruxas e demônios. Coisa de família. Ela convive com isso desde pequena, quando sua mãe percebeu que ela também via, e começou a treiná-la. Por isso nunca paravam em uma só cidade, havia sempre mais trabalho em outra, os mortais precisam ser protegidos. Rubi era a única coisa que mamãe permitia que levassem junto nas caçadas, parecia que os seres do mal tinham medo da gata. Não sabia o porque, Rubizinha era um amor.
Respirou fundo e analisou a sombra, fraca, pensou, deve ser só mais um Racka. O tipo mais inferior de demônio. Os mais fortes tinham a sombra mais definida, como os Elemmenz, seres nascidos do próprio Demônio. Começou a se mover devagar, em direção a sua bolsa, em cima da mesa. Precisava do Livro e do pote que continha uma mistura de sal e pó de ferro.
A sombra a acompanhava devagar, evitando a gata irritada. Chegou na bolsa e a abriu, e sem tirar os olhos do Racka, tateou em busca do Livro, quando conseguiu alcançar, a sombra atacou.
Ivette gritou e se jogou para o lado, o Racka não podia feri-la fisicamente, mais era capaz de trazer todo tipo de enfermidade se a tocasse diretamente. Ela agarrou o pote, junto com o Livro que tinha caído quando Rubi pulou pra cima do demônio. Enquanto a gata arranhava o rosto dele, e ele berrava um som parecido com o de milhões de unhas em um quadro negro, ela tentava se concentrar no maldito feitiço. Quando conseguiu finalmente terminar o encantamento, jogou o pote de sal na sombra, que começou a queimar e se dissolver imediatamente.
"Ah, graças a Deus, consegui". Quando não restou nem indício de que havia um demônio inferior ali, Ivette se virou, jogou a comida fora e subiu para o quarto.
"Hora de encaixotar as coisas Rubi, eles descobriram onde estamos"-Procedimento padrão: se eles nos encontrarem, nós partimos.Simples. 
Encaixotar o necessário, encontrar o irmão, pegar a gata, ligar para mamãe e partir para outra cidade.
É, não era nada fácil ser a filha da Caçadora.

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